domingo, 9 de agosto de 2009

O meu cão morreu faz cinco anos (as crónicas são intemporais?)


Se não me fizesses tanta falta, se não fosses um prolongamento de mim, diria quem me conhece que estou maluca Pincel.

O meu cão Pincel fez questão, desde o primeiro dia em que o conheci, de ser o bicho mais dependente de mim e eu dele. E assim foi. E assim se impôs. O meu cão -, Einstein como lhe chamava a minha mãe (a avó, termo que ela vai suavizando à medida que vê a prole de netos bichos continuar) sempre foi cão de “pancadas”. Quero com isto dizer que o dito tanto se lhe dava para armar em burrinho como fazia coisas extraordinárias.

Lembro que quando foi lá para casa, comprei daqueles livros que ensinam como educar os cães nas coisas mais simples (deita, senta, não, já…). O máximo que consegui de mais espectacular com o Biúi foi “dá a pata”. E isto muito à custa de tardes tortuosas com truques de trela que nos deixava a ambos exaustos. Mais lá foi a nossa vitória! Conseguimos “senta”, “dá a pata” e o “fica” lá ia variando consoante as ocasiões.

Mas nestes oito anos de experiência maravilhosa que foi ser companheira do Pincel tenho de sublinhar as três palavras favoritas dele, para que fiquem para sempre inscritas no coração de quem o conheceu: “RUA” (versões como ‘lua’ ou ‘nua’ serviam para confundir), “FRANGO” (circunscritas num ambiente mais alimentício como “papa” ainda salivavam mais…”FANGO”) e “PRAIA” (adicionado de um bom “vamos???”).

Talvez dos episódios que mais nos encostou como irmãos da vida foi sobre amor: eu estava profundamente triste como quem lê um poema da Florbela Espanca. Chorava compulsivamente quando me apercebi que o meu Pincel estava ao meu lado também a chorar. Mas não aquele chorar que estão agora a imaginar, o ganir ansioso dos cães. Não. O Pincel rebentou em lágrimas, encostou-se ao meu ombro e acariciou-me. Perguntou-me se podia ajudar. Entristeceu comigo. Decidiu adormecer-me com beijos que me souberam naquele momento às melhores carícias que alguma vez eu tinha sentido. E ele sabia. Acredito que se não soubesse, não o tinha feito. Se alguém duvida pergunte-se porque tinha o Pincel um ano e tal, e, ao contrário do resto das noites, nesta ele não me pediu rigorosamente nada (sair, brincar) e dormiu comigo, encostadíssimo debaixo dos lençóis, coisa que nesta altura já não gostava. Tinha eu também os meus ingénuos 17 anos. Amou-me. E obrigada cão Pincel Muge Filipe.

Penso que uma das coisas mais sérias que ensinei ao meu cão e que também com ele aprendi foi a ansiedade. A dependência do cão num ser humano não parte do coração deste mas faz sim parte de nós, aqueles que se pensam muito superiores por sermos humanos. A dependência que afinal é toda nossa. Nós temos o poder de ensinar a preguiça, nostalgia, poder, ódio e desesperança aos que vamos considerando inferiores em raça e inteligência.

Ao Pincel? Nós somos os heróis que mais o conseguimos magoar quando não o vamos passear ou o traímos ao afagar outro canídeo que passa na casa vizinha. Magoamos mais a ele – o Pincel - do que ele a nós quando, num dia mais aborrecido se investe de um rosnar tipo “deixa-me em paz” e que nos zanga…E nós com ele zangados também.

Achei nessas alturas que estava a acontecer uma tremenda injustiça! Eu? Eu que te deixo dormir na minha cama (!), alimento-te fielmente todos os dias mais ou menos às mesmas horas (perco horas a cozinhar o teu ‘fango’), dou-te banho, levo-te ao veterinário e acima de tudo sou tão tua amiga… e dou-te beijos. E tu? Quantas vezes te sentiste traído face às minhas injustiças, tipo desaparecer durante dias sem dizer nada, e noites mais aborrecidas em que não te deixei dormir naquela que afinal, é a nossa cama?

Ansiedade minha, impiedosa e individualista.

Pincel, não viveste para me servir, para me conhecer. Sei lá porque exististe. Sinceramente, acho que EU nasci para te conhecer, te adorar e sobretudo te aquecer neste meu coraçãozinho meio tresloucado… é que ainda sei e acredito que nós nos havemos de ver outra vez.

Promete que vais ser sempre o meu melhor amigo. 2004

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